domingo, 25 de outubro de 2009

História do absurdo no nosso sistema judicial

O DN de hoje, dá nota de uma notícia algo insólita, segundo a qual um agente da PSP da esquadra de Rio de Mouro foi detido pelos colegas por ordem de uma juíza que ordenou a detenção porque o agente terá faltado a uma sessão de um julgamento onde era testemunha.
O episódio lembra-me um outro em que me vi envolvido e no qual o tribunal acabou por condenar a arguida mas quem na verdade foi penalizado foi o queixoso e as suas testemunhas.
A história conta-se em breves palavras.
Estava calmamente encostado ao meu carro è espera da minha companheira, à época a leccionar na escola da minha filhota, quando sou surpreendido por uma estranha gritaria.

Olhei para o sítio de onde me pareceu vir os gritos. Qual não é o meu espanto quando verifiquei que os mesmos eram proferidos por alguém visivelmente transtornado que “entalara” com um jeep a minha companheira entre este e o seu carro.
Aproximei-me. Verifiquei que se tratava de uma mãe, a protestar e a ameaçar em plena via pública, a professora do seu filho. Só que a professora em questão era a minha companheira… Como a agressividade estava em crescente e ameaçava entrar em vias de facto a qualquer instante… intrometi-me entre as duas.
Não disse nem fiz absolutamente nada, para alem de cruzar os braços e meter-me entre as duas. Aí a mãe, chamou-me capanga para alem de outros impropérios que o bom senso e o decoro me inibem de reproduzir aqui. Depois ameaçou chamar a polícia, ameaçava fazer trinta por uma linha. Calmamente disse-lhe então que fosse dar uma voltinha para acalmar. Irritou-se ainda mais… gritou, berrou, insultou, voltou a insultar enquanto eu num desmesurado esforço de contenção me contive sem descruzar os braços.
Confesso que ainda hoje não percebo porque não lhe dei dois estalos naquela tromba histérica e desalmada… mas ainda bem que não o fiz.
Resolvemos chamar a polícia. Enquanto se fazia a ligação a tipa arrancou, foi queixar-se à sede do agrupamento escolar e posteriormente à polícia.
[Abro um parêntesis para esclarecer que o “diferendo” terá começado porque a mãe queria que a professora ensinasse o aluno a chamar pai ao seu novo namorado e sentia-se no direito de entrar pela sala de aula sempre que lhe aprouvesse.]
Escusado será dizer que apresentei queixa na polícia contra a senhora.
O processo levou anos até chegar à barra do tribunal.
Em tribunal apresentei duas testemunhas, uma que assistiu da sua janela a todo o desenrolar da contenda e outra, meu colega de trabalho, que embora não assistisse a nada iria abonar a meu favor, na medida em que me conhecia à mais de 20 anos.
Marcada a audiência, soube entretanto que a arguida se tinha ausentado para o estrangeiro com um namorado novo e levara o filho. Na escola, quando pediu o processo de transferência do filho terá dito que iam viver para a Austrália.
Assim, sabendo que a arguida não iria estar presente, e como a minha testemunha abonatória iria estar estava numa acção de formação, resolvi solicitar à minha advogada que renuncia-se ao testemunho daquela testemunha, tanto mais que era apenas abonatória e a não iria haver sessão por falta da arguida.
Chegados ao dia da sessão, pouco depois da hora marcada, fomos todos chamados por um funcionário do tribunal.
Tal como o previsto a arguida não compareceu. As minhas duas testemunhas também não. Porem quando a testemunha abonatória foi chamada informei a razão pela qual não estava presente e esclareci que prescindíamos do seu depoimento. Surpresa das surpresas, eu prescindia mas o Ministério Publico não. Repito, a testemunha em questão era apenas abonatória.
Em resume, a sessão foi adiada por falta de comparência da arguida e as minhas testemunhas foram multadas em duzentos euros cada uma e na véspera da sessão seguinte detidas para serem presentes a tribunal no dia seguinte.
Escusado será dizer que a arguida voltou a não comparecer e as minhas testemunhas foram trazidas a tribunal por agentes da autoridade e estiveram à sua guarda enquanto a sessão não se iniciou.
Para concluir, ganhei o processo a arguida foi condenada a indemnizar-me em cerca de 900 euros. [Pedi 1000, mas o juiz não considerou tudo provado e abateu 100 euros à indemnização. Por essa razão embora tenha ganho o processo fui condenado a pagar um terço das custas.] Mas a verdade é que demonstramos e o tribunal assim considerou que a arguida insultou e ofendeu a minha pessoa mas em termos práticos a arguida nada pagou, nunca mais a vi, e as testemunhas que nada fizeram, antes pelo contrário, foram detidas e multadas.
De uma coisa tenho a certeza, aquela testemunha que assistiu a tudo da sua janela, “jamais verá qualquer coisa” que tenha que testemunhar e o meu colega, duvido que volte a aceitar abonar em tribunal a favor de alguém. Quanto ao policia, que me fez recordar tudo isto, presumo que, quando voltar a acontecer qualquer coisa é capaz de estar a “olhar para o outro lado”.
Esta é afinal de contas a justiça que temos. À ré nada acontece em concreto, o tribunal não se preocupou em localizar a senhora, e não era difícil fazê-lo, as testemunhas são detidas e multadas!
Ganda justiça!

2 comentários:

  1. Para além de ridicula a situação em si , não deixa de ser revoltante principalmente.A justiça é cada vez mais duvidosa e inexistente. Pergunto-me quando é que isto irá mudar...

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  2. O Sergio Godinho na sua canção "A democracia é o pior dos sistemas com excepção de todos os outros", em determinada altura diz: Não há liberdade sem justiça e o inverso também é verdade".
    Comentários? Para quê?!

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