quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Foi há 35 anos atrás.

Passam hoje 35 anos sobre o 25 de Novembro de má memória. Questionam-se muitos dos bens pensantes, arrumados [a vidinha em ordem] e acomodados ex-militantes do PREC, sobre o desfecho do 25 de Novembro, isto é interrogam-se muitos sobre o rumo colectivo se os vencedores tivessem sido outros.
Diz-se que os vencedores novembristas eram militares moderados e os derrotados, por consequência, radicais de esquerda. Há distância de 35 anos e sem que as leituras, concordantes ou discordantes, possam alterar o rumo que as coisas tomaram, pouco me importa aprofundar a questiúncula. Questiono contudo a natureza moderada de Jaime Neves e outros que com ele triunfaram em Novembro. Os vencedores foram sobretudo homens ligados ao sector mais militarista e até reaccionário do exército, ao invés os ditos radicais foram homens que cortaram – radicalmente – com a estrutura colonialista e militarista de um exército envolvido numa guerra colonial fora de prazo, em três frentes e durante treze longuíssimos anos. Com estes, com os vencedores estiveram efectivamente alguns militares, que a história classificou como moderados, sendo que alguns o eram de facto mas outros não passavam de “cortiços”.
Passados estes anos, e tendo em conta a derrota da URSS e do seu modelo socialista, a queda do muro e as profundas alterações sociopolíticas na velha Europa, os vencedores do 25 de Novembro reclamam a coroa da pacificação social em Portugal e até se consideram estruturantes na consolidação da nossa democracia, contrapondo a este modelo aquilo que nos podia ter acontecido.
A história não se faz nem se escreve com “ses”. A história é! É o que foi e nunca o que podia ter sido.
Para mim, e creio que para muitos jovens como eu era na época, Novembro foi a destruição de um sonho e a percepção de que não há irreversibilidades nas conquistas sociais, elas regridem ou progridem de acordo com a correlação de forças. Na época, o MFA [Movimento das Forças Armadas] com os “Soldados, sempre, sempre ao lado do povo!”, era o nosso “chapéu-de-chuva”. O “soldado” mudou de campo, e nós ficamos expostos às adversidades e como não tínhamos impermeável…
Posto isto, uma leitura simplista é certo, mas ainda assim realista do que foi o 25 de Novembro, apoquenta-me o rumo colectivo que trilhamos. Mas mais que o rumo colectivo incomoda-me, para não dizer enoja-me, o percurso individual de uns quantos militantes, protagonistas e até lideres desse então.
Eu sei que Pacheco Pereira ex-líder ou “controleiro” num grupo maoista dos anos sessenta, é agora uma pálida figura no grupo parlamentar do PSD; que José Manuel Fernandes e Henrique Monteiro passaram pela Voz do Povo, assim João Carlos Espada que chegou a director desse Jornal e hoje são arautos do pensamento neoliberal; que o presidente da Comissão Europeia ou lá o que é, falo de Durão Barroso, foi um acérrimo e fogoso militante do MRPP; que este e aquele foram até Novembro de há 35 anos militantes da “causa operária e revolucionária” e hoje são paladinos do sistema que nos trama a vida e destrói os sonhos…
Quero que todos eles “vão ter um menino pela barriga das pernas”, como se diz na minha terra a propósito de gente que não nos interessa. Mas havia uma dessas proeminentes figuras, dirigentes ou destacados militantes, nomeadamente no Movimento Estudantil, que me deixou agradáveis impressões. Falo de Nuno Crato. Não pela eloquência, tenacidade ou firmeza ideológica, as quais me pareciam sólidas, mas antes pela maneira de ser e contrariamente a outros, pela humildade que apresentava, a qual não escondia uma capacidade intelectual notável. Esta humildade, era uma espécie de auto-flagelação ou acto de contrição que os jovens oriundos da burguesia ou da pequena burguesia assumiam como penalização por não serem filhos da gloriosa classe operária. Contrariamente eu era. Sou filho de um ex-assalariado agrícola que a precariedade empurrou para a manutenção da linha-férrea, culminando como operário da CP.
À época era eu um jovem, com pouco mais que dezasseis anos, acabadinho de ser eleito para a Associação de Estudantes da minha escola (Escola Secundária Polivalente do Entroncamento). Na escola o combate fazia-se à esquerda, a minha lista conotada com a UDP, venceu a lista do MRPP e a da UEC (PCP). Tal facto catapultou-me para direcção da UEDP (União dos Estudantes pela Democracia Popular) organização estudantil da UDP. Quando no decurso do encontro fundador a par de outros fui chamado à tribuna para tomar posse, Nuno Crato incita-me a gritar naquele encontro estudantil “Viva a Classe Operária!”. A assembleia extasiada aplaudiu e irrompeu numa vozearia ensurdecedora com saudações à gloriosa classe operária.
Fiquei estarrecido, toda aquela assembleia de pé, a aplaudir e a meu lado de punho cerrado bem erguido, Nuno Crato e João Carlos Espada entre outros, ripostaram “Vivaaaaaaaaaaaaa!”.
Depois perdi-lhes o rasto, a Nuno Crato sobretudo. Até que ele reapareceu, já nos anos 90 creio eu, como notável matemático e a produzir opinião sobre os diversos temas, nomeadamente os ligados ao ensino, onde defendia os exames (Exames que aguerridamente combatemos enquanto UEDP’s) entre outros pontos de vista. Pessoalmente e com toda a naturalidade, subscrevo alguns dos seus pontos de vista e oponho-me a outros.
É da vida e do caminho que trilhamos. Percebe-se que Crato, já não carrega o “peso histórico” da sua origem. Também eu não sou o mesmo (jovem ingénuo) que foi eleito para a direcção da UEDP. Há entre nós, entre aquela época, de utopias e quimeras, e esta fase de suposto realismo e ausência de idealismo, todo um tempo que passou.
Quando hoje li no DN, que Nuno Crato vai fazer parte da Comissão de Honra da candidatura de Aníbal Cavaco Silva, percebi que de facto não há apenas todo um tempo que passou, há Novembro. Novembro de há 35 anos que empurrou o sonho a comandar a vida para o mundo das canções… curiosamente escrita por uma homem da ciência, Rómulo de Carvalho sob o pseudónimo de António Gedeão.
Admiro Gedeão… temo Rómulo!

4 comentários:

  1. Excelente trabalho de análise e de denúncia das mudanças de “camisa” e de personalidade de muitos que na sua juventude chegaram a militar em estruturas partidárias da esquerda.
    Eu julgo que o 25 de Novembro está perfeitamente esclarecido, não só quanto aos verdadeiros protagonistas, como aos “testas de ferro” que foram utilizados para cumprir os objectivos propostos.
    As dúvidas só se mantêm na cabeça daqueles que por um motivo ou por outro não querem abdicar da sua interpretação pessoal, ignorando os factos e os numerosos documentos que felizmente já existem ao alcance de quem quer saber a verdade.
    Um dos livros mais importantes deste processo é sem dúvida “Abril nos Quartéis de Novembro”, da autoria de Avelino Rodrigues, Cesário Borga e Mário Cardoso, editado pela Bertrand em 1979, que começa a sua introdução com a canção “TANTO MAR - Foi bonita a festa, pá/ fiquei contente/ a ainda guardo, renitente um velho cravo para mim. Já murcharam tua festa, pá,/mas certamente/esqueceram uma semente/nalgum canto do jardim”.
    No primeiro capítulo “MFA EM ESTADO DE ESPÍRITO” eles começam por nos dizer “Em 1974, duzentos capitães derrubaram o fascismo; hoje há mais de mil capitães antifascistas. Os duzentos organizaram-se no MFA e destruíram o fascismo; os mil e tantos estão dispersos e assistem à recuperação da direita”.
    E assim fecharam-se para os primeiros “as portas que Abril abriu” e os outros com a cumplicidade do PS de Mário Soares & Cia, fizeram regressar os Banqueiros e muitos dos “velhos” donos do “império” que se apressaram a enterrar todas as conquistas do 25 de Abril e continuam impunemente a enterrar o país, vendendo ao desbarato o pouco que nos restava da nossa riqueza produtiva.
    É evidente que ainda não conseguiram “enterrar” todo o povo português e as suas estruturas organizativas, apesar de todos os dias os escribas que têm servido o sistema, anunciarem a morte do sindicalismo e dos seus métodos ditos ultrapassados, a esmagadora maioria dos Sindicatos deste nosso pobre país, conseguiram planear e organizar com ajuda dos trabalhadores a maior GREVE GERAL de todos os tempos.
    Foram mais de TRÊS MILHÕES!
    Talvez ainda não esteja tudo perdido. A solução está bem à vista, tal como os nossos antepassados diziam – A UNIÃO FAZ A FORÇA!
    Martins Raposo
    CV.25.11.2010

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  2. Eu não vi nenhum contacto...a minha intenção era enviar um alerta por mail.
    Pode apagar o comentário.

    Um belo texto, o deste post, mas que peca pelo erro do título. "Á 25 anos" tem a ver com o tempo e portanto falta-lhe um h.
    () RC

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  3. Pois é Zé, foram muitos, muitos a dar o dito por não dito, muitos a roer a corda. Porem de alguns já estava a espera, para eles a revolução era uma aventura de verão, de outros... enfim, não aquecem nem arrefecem. Mas alguns, o roer de corda, tocou-me fundo, um desses foi o Nuno Crato, mas não foi o único.

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