O biólogo amador Noémio de Sousa é um velho amigo que conheci nos tempos em que me envolvi na APEESG (Associação de Pais da Sebastião da Gama em Setúbal) e simultaneamente é pai de um dos melhores amigos dos meus filhos, o Ricardo Sousa.
Vemo-nos, ou vamo-nos vendo por ai…
O assunto da nossa conversa, quando nos encontramos é, depois de uma ou outra inquietação sobre o futuro dos rapazes, as rãs.
O Noémio de Sousa, para além de criar exemplares vários deste anfíbio, é uma verdadeira autoridade, diria enciclopédia, sobre a matéria. Dá gosto ouvi-lo dissertar sobre esta sua paixão. Aquele empenho só pode ser movido com fogo, com a energia da paixão.
Hoje encontramo-nos de manhã, e depois de me questionar sobre a viagem dos rapazes, chegaram ontem da Hungria, alvitrou uma preocupação com o futuro do Ricardo Sousa e de imediato entramos no tema das rãs.
Disse-me ele, "vou enviar-lhe um artigo que escrevi, a propósito de uma rã exótica que terá aparecido na ribeira de Oeiras, mas que eu conheço e crio vai para mais de cinquenta anos… "
O meu amigo Marques Sousa estava visivelmente irritado, com o desprezo e o silêncio asfixiante a que o texto foi votado pelas diversas entidades a que foi remetido.
E tem razão, muita razão!
Outros já teriam desistido. Ele não!
A perseverança e a paixão não o deixam. Ora leiam o que ele escreveu.
__________________
TER OU NÃO TER “DR”; ainda sobre o aparecimento da rã exótica, Xenopus laevis, nas ribeiras de Oeiras.
Não haverá ninguém no mundo que goste tanto dos anfíbios da Família Pipidae (à qual pertence a rã acima mencionada), sob todos os aspectos, como o autor desta breve nota. E, no entanto, reconheço que deve ser erradicada da nossa própria fauna. No caso, terìa sido introduzida por um Instituto das proximidades - por negligência? Ainda contactei o Instituto responsável pelo programa de erradicação deste anfíbio, para tentar ajudar, oferecendo a minha experiência e os contactos com alguns dos melhores especialistas europeus; a resposta foi que também o mesmo Instituto estava em contacto com especialistas portugueses. Pois!.... Viu-se/vê-se o resultado! Como não tenho o DR., não terei qualquer crédito. Será?
Tenho, efectivamente, muitos e bons conhecimentos sobre o comportamento deste Anuro, adquiridos no seu habitat natural, na República da África do Sul e em Moçambique, com inúmeras observações sob as condições climáticas mais díspares que possam existir, como trovoadas nocturnas e diurnas, épocas seca e húmida, média e alta montanha, em pequenos ribeiros, lagos, lagoas, etc...! Muitas vezes nadava, à noite, em pequenos charcos de água, com o auxilio de uma lanterna, modificada por mim, para poder observar a espectacular vida nocturna aquática, onde estava inserida esta rã. Quem corre por gosto...
Ao longo destes últimos tempos houve bastantes pessoas, ecologistas, biólogos, amigos, vulgares homens de Linnaeus, professores, etc., que, sabendo dos meus conhecimentos sobre as várias espécies de Xenopus (e outras da mesma família) telefonaram-me e enviaram-me mensagens nada abonatórias para quem tutela o Ambiente e a Natureza em Portugal. Inquiriram-me sobre o trabalho oficial de laboratório para o controlo da Xenopus nas ribeiras, acordados entre uma Faculdade de Lisboa e o tal Instituto oficial. Obviamente que nunca estive envolvido com gente tão importante - até porque não tenho DR. - e, após ter-lhes explicado isso mesmo, pressionaram-me para dar a minha opinião e, de certa maneira, tentar parar(!) a recolha deste vertebrado intruso, efectuada por caçadores furtivos, que ainda vai acontecendo todos os dias. Esta caça estimulou-me a vontade de escrever estas palavras.
Para que conste, a pedido de um responsável académico, cuja equipa descobriu a rã exótica (cujo nome nem sequer foi referido no artigo que correu mundo, lamentavelmente!) incitou-me a divulgar este caso. Também me desloquei a Lisboa, junto de uma instituição oficial, para classificar a Xenopus (pelo padrão dorsal poderia resultante do cruzamento da X.laevis x X.victorianus, ambas com 36 cromossomas cada)*, o que sucedeu. Eu, como pessoa responsável e outras pessoas conhecedores do que se passava, guardámos “segredo” durante um período alargado de tempo mas, alguns meses depois fui surpreendido com um E-mail da SIC do programa “Terra Alerta”, para tentar classificar aquele vertebrado via fotografia, o que aconteceu (claro!, eu já o tinha feito!). Depois, efectuaram reportagens na RTP1 e na SIC, apostando numa imagem apelativa do anfíbio, em poses engraçadas pró sentimentais, que foram prontamente estimulantes da captura por particulares, movidos pelo desejo de possuir mais um motivo egoista de adoração. Desde então, nas ribeiras do concelho de Oeiras, ainda continua o saque, diariamente. Basta consultar a net para comprová-lo.
E não serviu de nada o exemplo do acontecido há uns anos(1996?) nos Açôres, quando a RTP do arquipélago mostrou as imagens do lagostim (Procambarus clarkki), introduzido na ilha de S.Miguel! Logo, foram muitos os particulares caçadores após o visionamento na TV. Não se aprende com os erros?
Segundo veio a público, o Instituto governamental encarregue da eliminação (!) do Anuro intruso não tinha (e já tem?) verba, para fazer face ao combate da expansão desta espécie de rã exótica. Isto não é crime, diga-se, mas não deixa de ser lamentável que, numa situação tão grave, não se recorresse a quem sabe, sobretudo quando havia pessoas auto-disponibilizadas! Será que os responsáveis tinham / têm ainda noção da gravidade deste caso? Ou estiveram mais interessados em continuar o empolamento da questão, para expor a mediatização das culpas dos que provocaram este incidente? Em Portugal, as pessoas escudam-se nos seus centros de Poder, investindo mais na afirmação das suas vontades particulares de privilégios institucionais, do que no conjugar de cooperações, para melhorar os conhecimentos e promover a sabedoria colectiva do nosso Povo! Há um desejo mórbido, entre alguns académicos, de se destacarem dos outros, para promoção do nome e do orgulho pessoal, porque nada sabem do objectivo último da Vida, no plano da continuidade do Universo, onde somos um grão perdido, facilmente dispensável, tanto mais porque apostámos na nossa inviabilidade civilizacional, à custa dos comportamentos anti-sociais, derivados das manias dos elitismos!
Será que os responsáveis (?!) sabem com o que estão a “lidar”, no plano do desenvolvimento da nossa sociedade e no plano da preservação ambiental global? Certamente que não!
Senão, vejamos:
Xenopus laevis laevis,(Daudin 1802) – Família Pipidae, englobante de anfíbios, caracterizados por falta de língua; esta rã é oriunda da África Austral
introduzida na Europa, região Deux-Sèvres (França) e na Sicília (Itália) e, provavelmente, já eliminada de alguns canais na Holanda;
longevidade de mais de vinte anos;
a quantidade de ovos postos pelas fêmeas varia conforme a idade e saúde do espécime, mas são quase sempre da ordem dos milhares; os girinos são muito difíceis de depredar em águas abertas - lagos e charcos perenes-; salienta-se que no artigo “X.laevis, a new exotic amphibian in Portugal” que tem corrido mundo, é referido a certo ponto “...production of egg masses...” . Gostaría de saber qual o significado em português, mas como não sou dr....; a minha observação prática mostrou-me o verdadeiro sentido deste tipo de posturas!
sobrevive normalmente em água salobra (25% a 30% de água doce; 75% a 70% de água salgada) mas não se reproduz aí;
quando chove, é estimulada a emigrar, conduzida por fios de água; em terra, locomove-se desajeitada mas rapidamente;
no caso de se expandir em Portugal, não haverão depredadores dos adultos, nem sequer a cobra-de-água (Natrix maura), que apresenta baixa elasticidade bucal:
transporta consigo o conhecido Chytrid fungus, que provoca a Chytridiomycosis, eventualmente letal para a nossa fauna, conforme é universalmente reconhecido. De referir que este fungo tem-se propagado em climas sub-tropicais e tropicais, por enquanto, dada alguma contenção dos climas, embora afectados pelas alterações climáticas locais e regionais!
estiva, cavando um buraco na vertical, em terreno argiloso, de preferência; eventualmente, poderá vir a acontecer em Portugal, sem quaisquer surpresas;
são oportunistas e comem quase tudo o que vive; são um gravíssimo perigo para qualquer fauna autóctone, a qual sofrerá um grande impacto na sua dinâmica populacional. A despeito da sua alimentação principal ser insectívora (disposição dos olhos), tem um faro apuradíssimo, não abdicando de devorar carne de animais terrestres ou aquáticos, recém-mortos, que rasga facilmente com as suas poderosas unhas. Como exemplo, dou o meu testemunho (não está referido em qualquer compêndio!) de ter visto algumas Xenopus, que se alimentavam no interior de um pequeno crocodilo morto (Moçambique) e que entravam e saíam do cadáver, através de um grande buraco no abdómen, provavelmente provocado por outro crocodilo; canibalizam os próprios girinos e juvenis;
obviamente que, durante a investigação em Oeiras, não se encontraram girinos da rã nas ribeiras (há justificação para isso), porque a corrente existente não deixava quaisquer possibilidades dos mesmos girinos sobreviverem sem o phytoplankton de que se alimentam, como filtradores que são; se me tivessem contactado, eu tería dado uma resposta pronta, em vez de perderem tanto tempo em consultas algures, quando há em Portugal quem saiba... Não tenho o dr. e não ficaría muito bem, um biólogo amador prover ensinamentos a alguns académicos!
os girinos suportam a temperatura da água entre os +- 10ºC e os +-30ºC, enquanto os adultos toleram dos 1ºC aos 45ºC . Tive oportunidade de observar adultos vivos sob gelo!!! Fantástico!
Confesso que, se não tivessem havido as reportagens televisivas ( o eterno dilema 'direito de informar, indubitavelmente contra o direito de privacidade e preservação!), havería uma ténue possibilidade de, pelo menos, reduzir drasticamente as Xenopus nas ribeiras de Oeiras, com métodos que não revelo neste artigo, propositadamente (participei, na África do Sul, na erradicação da rã num ribeiro particular). Neste momento e por causa da sua caça, haverá muita gente com estes Anfíbios em aquários privados, como animais de estimação, o que poderá ser uma via de dispersão da espécie mais tarde...! É pena; há que, pelo menos, apelar para que não se desfaçam das rãs em qualquer ponto de água, como já verifiquei fazerem com outros animais (Trachemys scripta elegans). Entreguem-nos nas instituições governamentais ou Associações Ambientais, por favor!
Como ambientalista, a minha preocupação principal não será a da transmissão do fungo (não está provado que tal aconteça em climas como o nosso, ainda...), mas sim a da depredação que a Xenopus poderá infligir à nossa fauna -que será terrível!
Acrescento que o conteúdo deste artigo não é contra ninguém, mas sim contra as mentalidades bacocas e retrógradas! Nada me move contra o que quer e quem quer que seja mas, meus senhores!, o conhecimento não é exclusivo de Profs. e Biólogos profissionais! Neste caso, é de bradar aos céus a colocação de interesses institucionais à frente dos interesses primários da Vida! Tenho a plena consciência de que não sou licenciado efectivamente mas, apesar disso, sinto-me orgulhoso porque académicos estrangeiros me procuram para preencher as suas lacunas cognitivas de campo, precisamente no domínio de alguns aspectos da a etologia das Xenopus. Porque será?
Aproveito para agradecer ao Dr. J.Barros pela revisão do artigo e a todos aqueles que acreditam em mim, bem como a quem queira vir a publicar este “ARTIGO INCOVENIENTE”.
TER OU NÃO TER DR é efectivamente a questão!
(* como não tive acesso a qualquer resultado de exame laboratorial, não posso garantir, só pela observação do padrão dorsal -segundo Catherine Vigny- se eram ou não resultado do cruzamento de X.laevis e X.victorianus)
Noémio António Marques de Sousa,
Biólogo Amador
A anterior foto que ilustrava o artigo do biologo Noémio de Sousa, não correspondia è especie em causa. A foto actual foi-me enviada por Noémio de Sousa.
ResponderEliminar